"Nova política" de Bolsonaro quer comprar uma Reforma da Previdência


Bolsonaro quando da entrega proposta da Reforma da Previdência ao Congresso. Foto: Reprodução

(Por Leonardo Sakamoto)

Qual a diferença do governo Bolsonaro comprar a aprovação da Reforma da Previdência com a promessa de liberação de mais recursos para emendas parlamentares e o governo Temer ter comprado a rejeição à autorização para que o Supremo Tribunal Federal processasse o presidente da República com a promessa de liberação de mais recursos para emendas parlamentares? Do ponto de vista ético, nenhuma.

Mas como o primeiro tema interessa a um grande número de atores ditos sérios, como o mercado, ocorre uma passada de pano generalizada para o fato do balcão de negócios ter se instalado na Câmara dos Deputados. Há uma cobrança aberta por parte de dezenas de deputados fisiológicos pela liberação de bilhões em troca da aprovação do projeto de mudança das aposentadorias, que agora vai a plenário.

A justificativa corrente é de que a Reforma da Previdência vai ser uma pedrada nas pretensões eleitorais dos deputados-candidatos em 2020 (prefeituras) e 2022 (reeleição, Senado, governos). As emendas e promessas de obras federais ajudariam a lustrar a imagem deles diante da população – principalmente em áreas com um grande número de cidadãos que serão afetados negativamente pelo projeto.

A pensão por morte paga a viúvas e órfãos vai ser reduzida em 40%? Bota aquele hospital que estava sendo prometido há anos no município. O tempo de contribuição mínimo passará de 15 para 20 anos, dificultando profudamente que metade dos homens se aposente? Mas, veja, vai chegar uma nova creche aqui no bairro. Trabalhadores com contrato de jornada intermitente que não atingirem um salário mínimo não terão o mês inteiro computado para o INSS? Não se preocupe com isso, regozije-se do novo sistema de tratamento de água que vai impedir que a criançada morra cedo.

Saúde, educação, saneamento básico são garantidos pela Constituição Federal, bem como uma aposentadoria que permita alguma dignidade na velhice. Não são direitos mutuamente excludentes, mas interdependentes, e só fazem sentido quando juntos. Porém, acostumadas a sempre perder, as camadas pobres, por vezes, aceitam a troca. Ainda mais se ela oferece alívio imediato a problemas urgentes em detrimento a algo que vai impactar daqui a vários anos.

Comprar e vender votos na Reforma da Previdência através do oferecimento de recursos de emendas para a execução de políticas públicas que deveriam ser obrigatórias é, portanto, barganhar o futuro das pessoas oferecendo migalhas no presente. Atualizar o sistema de aposentadorias é necessário, não se discute isso. Mas se o governo federal tem tanta certeza que a população concorda com as mudanças que ele propõe, não deveria liberar um centavo. Se os deputados acham que seu voto não será visto como traição aos trabalhadores, deveriam entregá-lo por consciência e não vendê-lo.

A cada deputado foi oferecido R$ 20 milhões em emendas, metade no primeiro turno de votação e a outra metade no segundo. O que mostra, aliás, que o governo não confia que, pagando tudo antes, os parlamentares entreguem a mercadoria.

A solicitação de emendas para atender demandas justas da população faz parte da democracia. O problema é quando o processo de sua liberação inclui tomaladacás. A tática não é nova, pelo contrário, foi sistematicamente utilizada por todos os governos até aqui. Só na ditadura militar não era tão necessária porque, em última instância, era só cassar todo mundo, dissolver o Congresso Nacional, mandar partidos para a clandestinidade, torturar e matar políticos.

Enquanto isso, o governo federal despeja outros milhões em propaganda pró-reforma em veículos de comunicação, agências de publicidade e redes sociais, com especial atenção ao Nordeste – onde está localizada a maior resistência. São campanhas feitas não para informar sobre o tema, com todos os lados da questão, abrindo o debate público, mas de convencer.

Talvez isso nem fosse necessário, pois uma parte da mídia destina todo o seu tempo (atenção, não estou apenas falando de análises e opiniões) para defender a reforma. Questionados, dizem que estão cobrindo pontos de vista pragmáticos – como se o pragmatismo também não tivesse a sua ideologia.

Depois de levar surras em algumas votações, a articulação do governo se deu conta que a "nova política" proposta por um presidente que passou 28 anos no Congresso Nacional, na prática, não vale uma golden shower. (Fonte: UOL)


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