Trabalhadores sobreviveriam a Rodrigo “Botafogo” Maia no topo da tabela?


Leonardo Sakamoto

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), colocou sua pré-candidatura na rua e tenta fechar apoio dos partidos da base aliada do governo Michel Temer em torno de si. A menos que ocorra um milagre, ou seja, seu nome deslanche (o que seria igual à multiplicação de pães e peixes e água tornar-se vinho), a movimentação terá servido para aumentar a sua influência na definição de outra chapa, mais competitiva, ao Palácio do Planalto. No que pese suas chances reduzidas, as crenças de ''Botafogo'' (seu codinome na lista de pagamentos da Odebrecht, de acordo com delações de seus executivos) vai ao encontro daquelas defendidas por parte do mercado financeiro e do grande empresariado com relação aos direitos trabalhistas e à função do Estado. 

À frente de uma das piores legislaturas da história da Câmara dos Deputados, capitaneou uma série de derrotas à população mais vulnerável e aos trabalhadores. Resgatando um projeto da era Fernando Henrique, conseguiu aprovar a Lei da Terceirização Ampla. Os críticos afirmam que ela deve precarizar a qualidade do emprego, colocar em risco a saúde e a segurança do trabalhador e tornar mais difícil processar os verdadeiros responsáveis pela superexploração do trabalho e mesmo pelo trabalho escravo. Aprovou também a PEC do Teto dos Gastos, que limitou novos investimentos em áreas como educação e saúde públicas pelos próximos 20 anos. 

Se por um lado, isso deu um sinal ao mercado de que o país está fazendo um esforço visando ao pagamento de seus compromissos nacionais e internacionais, por outro afetará quem depende do poder público para ver garantido um mínimo de dignidade, ou seja, os mais pobres. E, claro, Maia foi fundamental para a Reforma Trabalhista. O texto inicial, inspirado por demandas apresentadas por confederações empresariais e por posições derrotadas em julgamentos no Tribunal Superior do Trabalho que significaram perdas a empresários e ganhos a trabalhadores, cresceu entre os deputados até chegar a 121 mudanças. 

Botafogo garantiu que a repactuação entre a compradores e vendedores da força de trabalho no Brasil fosse aprovada a toque de caixa sem que os parlamentares pudessem discutir o seu extenso conteúdo. Para que não restem dúvidas, Rodrigo Maia seria um candidato à chefia do Poder Executivo que afirma que um ramo do Poder Judiciário, a Justiça do Trabalho, ''não deveria nem existir''. Para ele, ''o excesso de regras no mercado de trabalho gerou 14 milhões de desempregados''. 

O que não deveria existir é a profunda desigualdade social, não as instituições que permitem equilibrar o jogo. No início deste ano, em uma palestra que deu em um evento na capital dos Estados Unidos, Maia afirmou que o Bolsa Família ''escraviza as pessoas''. Na sua opinião, programa social bom é aquele que ''dá condições para que a pessoa volte à sociedade'' e, por conta própria, consiga um emprego. Claro que o programa pode e deve avançar na questão da porta de saída. 

E, acreditem, os principais interessados são milhões de famílias que recebem os repasses do governo – chamadas de ''vagabundas'', ''aproveitadoras'' e ''sanguessugas'' por quem assiste tudo do alto de sua cidadania. Mas o interessante é que, para ele, elas estão fora da sociedade a ponto de precisarem voltar – o que pode explicar muita coisa. ''A cidadania é um emprego, a cidadania não é depender do Estado brasileiro'', também disse. Assusta ver um presidenciável afirmar que a cidadania (o conjunto dos direitos e deveres civis e políticos dos indivíduos junto à sociedade) é o mesmo que um emprego. 

Atrela, dessa forma, a vida em coletividade à prestação de serviços a alguém. E não o respeito às integridades física, psicológica, emocional e intelectual das pessoas. Ele explica que ''a cidadania não é depender do Estado brasileiro''. Mas o Estado brasileiro só tem garantido cidadania para quem não depende dele. 

Aliás, quanto mais você não precisa do Estado para sobreviver, mais o Estado te estende a mão. Talvez seja por isso que a Câmara dos Deputados dirigida por Rodrigo Maia aprovou um perdão bilionário de dívidas das grandes e médias empresas, o Refis, sancionado posteriormente por Michel Temer no ano passado. Descontos nos juros e multas e parcelamentos a perder de vista. Tudo aquilo ao qual um microempresário não teve direito. 

E tudo o que um trabalhador sem emprego nem sonha. Quando se discute a possibilidade de Reforma Tributária com justiça social, ou seja, que inclua o retorno da taxação de dividendos recebidos de grandes empresas, a criação de alíquotas de 30% e 40% do Imposto de Renda para quem ganha salários muito altos e o reajuste da isenção do mesmo IR para a classe média, Rodrigo Maia é um dos primeiros a vir a público dizer que a proposta só passa por cima de seu cadáver na Câmara dos Deputados. Nesse sentido, ele consegue ser mais conservador que o próprio ex-banqueiro e hoje ministro Henrique Meirelles, cuja equipe chegou a estudar essas possibilidades. 

Constatando as ações tomadas por Rodrigo Maia e seus discursos, a sensação é de que o grande empresariado e o mercado financeiro é que são os vulneráveis diante da sanha de uma horda de trabalhadores insanos no Brasil. O Brasil sobreviveria a um ''Botafogo'' no topo da tabela? O mais provável hoje é que não tenha time nem para disputar o campeonato. Depois de valorizar o seu passe, iria compor outra equipe, como reserva ou auxiliar técnico. Mas sacanearam tanto com o campo de jogo que é bem possível, ao final do campeonato que tem o Brasil como prêmio, que um outro time, feito por gente que não gosta de bola, nem de seguir as regras, seja campeão. (Fonte: UOL)


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