Seis das principais medidas do governo Bolsonaro serão julgadas pelo STF
Funcionários protestam em novembro de 2018 em frente ao edifício do Ministério do Trabalho contra a proposta de extinguir a pasta. Imagem: Edu Andrade/Divulgação/MTE...
Algumas das principais medidas anunciadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) serão alvo de análise do plenário do STF (Supremo Tribunal Federal) nos próximos meses. Elas foram questionadas judicialmente em ações que podem reacender as críticas ao tribunal e ampliar a tensão com grupos de apoio ao governo. (Felipe Amorim)
Entre elas, são questionadas medidas administrativas que tocam em temas caros ao bolsonarismo, como a transferência das demarcações indígenas da Funai (Fundação Nacional do Índio) para o Ministério da Agricultura e o decreto que ampliou as hipóteses que autorizam a posse de arma, promessa de campanha do presidente.
Outras quatro decisões governamentais questionadas foram o corte no orçamento das universidades públicas federais, a extinção do Ministério do Trabalho, o fim do desconto em folha da contribuição sindical e a extinção de conselhos de participação popular no governo.
Antes de emitir uma decisão, os ministros relatores das ações pediram mais informações ao governo e a opinião do Ministério Público.
Não há data confirmada para que as ações sejam julgadas, mas os ministros Celso de Mello, Luiz Fux e Marco Aurélio decidiram levar diretamente ao plenário a análise dos três casos sob a responsabilidade deles, o que, em tese, pode tornar a tramitação do processo mais rápida.
Veja quais são as ações contra as medidas do governo e quais os próximos passos de cada processo.
Posse de armas
Uma das primeiras medidas do governo Bolsonaro, a publicação do decreto que facilita a posse de arma no país foi contestada no STF por duas ações diretas de inconstitucionalidade, apresentadas pelos partidos PSB e PCdoB.
O decreto de Bolsonaro permite que moradores da zona rural ou das cidades de todas as regiões do Brasil possam pleitear à Polícia Federal a autorização para manter uma arma de fogo em casa.
Antes, para ter a posse autorizada, era necessário provar a "efetiva necessidade" do armamento para a própria segurança. Agora, o decreto do governo diz que, por morarem em áreas com elevado índice de criminalidade, qualquer cidadão do país se enquadra no critério de "efetiva necessidade". Porém, ainda é preciso cumprir outros requisitos, como não ter antecedentes criminais.
Na ação, o PCdoB alega que esse tipo de alterações nas regras para a posse de arma só poderia ser feito por meio de lei aprovada pelo Congresso Nacional, e não por decreto do presidente da República. Já o PSB afirma que a necessidade da arma de fogo precisa ser comprovada caso a caso e que não pode haver a generalização proposta pelo decreto.
A ação do PSB é relatada pelo ministro Edson Fachin, e a do PCdoB está sob a responsabilidade de Celso de Mello, ministro há mais tempo em atividade no tribunal.
Os ministros pediram informações ao governo antes de decidir sobre os pedidos de liminar, decisão provisória que pode ser tomada antes do julgamento em definitivo da ação.
Celso de Mello informou que levará ao plenário a análise do pedido de liminar, o que pode fazer com que o caso já seja julgado em definitivo pelo tribunal.
Mudanças na Funai
A transferência da atribuição sobre a demarcação de terras indígenas da Funai para o Ministério da Agricultura foi contestada no Supremo por uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo PSB.
O partido afirma que o Ministério da Agricultura não possui experiência nessa função e historicamente representa interesses opostos à demarcação de terras indígenas, estando focado na expansão do agronegócio.
O pedido de decisão liminar (provisória) foi negado pelo ministro Luís Roberto Barroso, relator da ação, mas, na decisão, Barroso afirma que poderá voltar a analisar o caso a depender da "evolução dos fatos" relativos às demarcações indígenas.
Em sua decisão, Barroso afirmou que a mudança nas atribuições dos órgãos do governo não seria suficiente para caracterizar uma violação ao direito dos índios à demarcação previsto na Constituição Federal.
"A simples mudança do órgão competente para a demarcação não significa, por si só, sem outros elementos interferência sobre os interesses das comunidades indígenas", disse o ministro na decisão.
Mas afirmou que a Constituição garante o direito à demarcação das terras indígenas e que uma eventual recusa do governo em realizar a destinação dessas terras poderia ser alvo do Supremo.
"Essa competência [demarcação de terras pelo governo] não é discricionária, mas vinculada, não estando sujeita a opções políticas. Não se deve presumir, todavia, que o Poder Público irá desviar-se dessa finalidade. Se os fatos vierem a provar o contrário, aí será o caso de o Judiciário intervir", escreveu Barroso.
Fim do Ministério do Trabalho
Na reforma administrativa do governo que reduziu o número de ministérios, Bolsonaro decidiu extinguir o Ministério do Trabalho e dividir as antigas atribuições da pasta entre os ministérios da Economia, da Justiça e da Cidadania.
A medida foi questionada no STF em uma ação direta de inconstitucionalidade apresentada pelo PDT. O partido afirma que, na prática, a extinção do ministério prejudica a implementação dos direitos dos trabalhadores previstos na Constituição.
O relator do processo no Supremo é o ministro Ricardo Lewandowski. Ele pediu que a AGU (Advocacia-Geral da União) e a PGR (Procuradoria-Geral da República) se manifestassem no processo antes de tomar uma decisão.
A AGU já respondeu defendendo a medida, mas a Procuradoria ainda não se manifestou.
Contribuição sindical
O Supremo já recebeu nove ações contra a Medida Provisória publicada por Bolsonaro que proíbe o desconto na folha de pagamento da contribuição sindical e determina que o recolhimento da contribuição deve ser feita apenas por meio de boleto bancário.
A medida provisória também determina que a contribuição só pode ser cobrada após autorização expressa, individual e por escrito do trabalhador. Antes, a contribuição podia ser descontada diretamente da folha salarial, no mês de março de cada ano, e dependia apenas de autorização feita por negociação coletiva ou assembleia da categoria.
A contribuição sindical, também chamada de imposto sindical, foi criada em 1940 por um decreto-lei e posteriormente incorporada à CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), de 1943. Por ser obrigatória, a contribuição se tornou um dos principais mecanismos de financiamento dos sindicatos brasileiros.
Apenas em 2017, com a reforma trabalhista aprovada no governo do ex-presidente Michel Temer (MDB), a contribuição sindical deixou de ser obrigatória, mas ainda era feita por meio de desconto na folha de pagamentos.
A alteração proposta pelo governo Bolsonaro proibiu o desconto em folha e passou a exigir autorização individualizada de cada trabalhador.
A medida, segundo as entidades sindicais que acionaram o STF, viola os princípios da autonomia e da liberdade sindical previstos na Constituição, pois interfere em assuntos internos dos sindicatos ao proibir que eles instituam sua fonte de custeio por assembleia geral ou convenção coletiva de trabalho.
As entidades também dizem que o tema não poderia ser regulamentado por medida provisória, pois não há nesse caso a urgência exigida por lei para a edição de medidas provisórias.
As ações foram apresentadas por entidades sindicais, pelo PDT e pela OAB (Ordem dos Advogados do Brasil).
O ministro Luiz Fux é o relator dos processos sobre esse tema. Ele decidiu leva ao plenário a análise dos pedidos de liminar, o que pode fazer com que o caso já seja julgado em definitivo pelo tribunal.
Extinção de conselhos
O ministro Marco Aurélio decidiu submeter ao plenário do STF a ação ajuizada pelo PT contra o decreto do presidente Jair Bolsonaro que pretende acabar com dezenas de conselhos da administração federal que contam com a participação da sociedade civil.
Segundo o MPF (Ministério Público Federal), que contestou a medida em nota pública, ao menos 35 conselhos devem ser extintos pelo ato do presidente, entre eles, o Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conatrap), a Comissão Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo (Conatrae), o Conselho Nacional de Combate a Discriminação e Promoção dos Direitos de LGBT (CNCD/LGBT) e o Conselho Nacional dos Direitos do Idoso (CNDI).
Ainda não há data para o julgamento. Cabe ao presidente do STF, ministro Dias Toffoli, incluir o processo na pauta.
Cortes no orçamento para as universidades
O partido Rede Sustentabilidade entrou com uma ação no STF contra o corte no orçamento de universidades federais anunciado pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub. Para a Rede, a medida viola a autonomia universitária e princípios orçamentários, além de representar um mecanismo "insidioso para patrulha ideológica".
O relator da ação no Supremo é o ministro Marco Aurélio Mello, que foi escolhido por meio de sorteio eletrônico responsável pela distribuição dos processos. Ainda não há data para o julgamento do processo. (Fonte: UOL)