Presidente da Caixa adverte que Congresso precisa parar com projetos liberando o saque do FGTS ou fundo estará inviabilizado


Carlos Vieira diz em encontro da construção civil que fundo precisa rever seu modelo de financiamento ou fundo estará condenado a insolvência (Por Fernando Castilho) - foto divulgação - 

Às vezes, em alguns momentos, alguém precisa dizer uma coisa tão óbvia que só se torna importante pelo que de alerta embute na mensagem. Isso aconteceu nesta quinta-feira no Rio Construção Summit quando o presidente da Caixa, Carlos Vieira, disse que o modelo de financiamento imobiliário baseado essencialmente no Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) precisa ser revisto.

Porque o fundo tende a enfrentar uma grande crise, uma vez que a concorrência com outros fatores que absorvem esses recursos tende a comprometer sua sustentabilidade.

Conhece o assunto
Carlos Vieira é servidor de carreira da Caixa, com vasta experiência em crédito imobiliário e gestão estratégica, além de ter sido presidente do fundo de pensão dos funcionários (Funcef); portanto, tem credibilidade para dizer o que disse. E, sejamos justos, não é de hoje que ele vem advertindo que o Congresso Nacional precisa parar de a cada legislatura inventar uma maneira de o trabalhador sacar o seu saldo depositado pelo seu empregador.

Mas parece que apesar dos números mostrarem como os bancos privados olham para o patrimônio do fundo e veem nele uma base de recebíveis garantidores de novos modelos de operação financeira com taxas de juros altas, tem sempre um deputado ou senador desinformado com uma ideia genial para liberar algum dinheiro.

Saque bebê

Na atual legislatura existe ao menos uma dezena de projetos nessa direção. O mais novo é do deputado Zé Haroldo Cathedral (PSD-RR) que liberaria o saque do FGTS após o nascimento de filhos ou a adoção. O custo estimado pela Caixa é de R$63 bilhões por ano.

No ano passado, o Senado recebeu um projeto da senadora Jussara Lima (PSD-PI). O projeto altera a Lei 8.036, de 1990, para determinar que a mulher em situação de vulnerabilidade em razão de violência doméstica, física ou psicológica, possa movimentar livremente sua conta no fundo de garantia. Custo estimado de R$72 bilhões.

Saque do depósito
Este ano, o projeto de Lei 335/25 de autoria do deputado Pastor Eurico (PL-PE) permite que os trabalhadores optem por receber mensalmente os depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) junto com o salário, em vez de serem acumulados na conta vinculada.

São ideias estapafúrdias que não guardam as mínimas avaliações sobre como funciona o mecanismo do FGTS, além de revelar uma total desconexão com a realidade, uma vez que, em sendo adotadas, o FGTS simplesmente deixaria de existir, dada a sua rápida insolvência.

Rediscutir o fundo
O que só torna mais séria a advertência do presidente da Caixa quando diz que “Acho que a gente precisa rediscutir isso, essa estrutura de funding na forma que existe, como o FGTS. Vamos ter uma crise muito grande no FGTS.”

E mesmo falando para uma plateia que entende perfeitamente a legislação que regula o FGTS, Carlos Vieira fez questão de dizer que na origem, o FGTS tinha dois propósitos básicos: primeiro, atender o trabalhador brasileiro quando saísse do emprego e se aposentasse. E, em paralelo, enquanto isso não acontecesse, o recurso do FGTS estaria disponível para uso em crédito imobiliário.

Forte concorrência
E completou: “O alerta que venho fazendo é no sentido de que existem hoje elementos concorrenciais ao princípio básico que foi destinado ao FGTS, que foi criado no dia 13 de dezembro de 1966. A mudança e a agregação de outros eventos que competem com o princípio básico.”

O alerta faz todo sentido. No governo Jair Bolsonaro, o maior ataque aos recursos do FGTS foi perpetrado pelo ministro da Economia Paulo, que em 2020 criou o Saque Aniversário.

Saque aniversário
Para se ter uma ideia do estrago que faz no patrimônio do fundo, basta dizer que em 2024, (29,05%) no uso do FGTS como “não agente de desenvolvimento social”, ele chegou a R$47,44 bilhões. E que atualmente ele só é menor que o saque por rescisão do Contrato de Trabalho (R$67.387,66) que corresponde a 41,26%.

E foi quase o dobro do que o FGTS liberou para o financiamento de 1.762.401 moradias no exercício e que exigiu R$25,2 bilhões correspondentes a 15,44% das aplicações totais no exercício.

Virou recebível

Isso acontece porque os bancos transformaram o Saque Aniversário num recebível que permite que ele seja garantido de até 10 anos. É um negócio na China... para os bancos. O tomador troca a remuneração de 3% ao ano por essa dívida descontada do seu próprio dinheiro. Pagando uma taxa de juros de pelo menos 1,29% ao mês, podendo chegar a R$2,05% para receber uma fração do dinheiro que a empresa já depositou na sua conta vinculada.

Essas questões têm relação direta com o setor da construção civil que tem dificuldades de ser ouvido. No Rio Summit, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Renato Correia, reforçou que a construção é um motor econômico, com R$680 bilhões em investimentos em 2025 e mais de 3 milhões de empregos formais.

Sem infraestrutura
Enquanto o diretor executivo do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon), Humberto Rangel, alertou para o baixo nível do estoque de infraestrutura no Brasil e destacou a necessidade de investimentos consistentes para um crescimento sustentado do setor.

Humberto Rangel faz uma constatação perturbadora relacionada à infraestrutura. O próprio FGTS vem tendo uma performance muito baixa no financiamento desse segmento. Em 2024, o FGTS financiou apenas R$4,1 bilhões em obras de infraestrutura urbana e saneamento.

Não gastar nada
Isso tem a ver com o interesse de estados e municípios em acessar essa linha de crédito mesmo que eles possam ser parte das condições gerais de habitabilidade dos conjuntos residenciais que eles conseguem capturar junto ao Governo Federal.

Dito de outra forma: os prefeitos querem os habitacionais da Faixa 1, mas não tomam R$1 para melhorar a infraestrutura necessária a eles. Um comportamento que revela a total falta de compromisso com suas cidades. (Fonte: JC UOL)

Notícias FEEB PR


COMPARTILHAR